quarta-feira, 7 de outubro de 2015

"Louco" do sistema é O feliz?



Eduardo Tornaghi, ator de trajetória bombástica na Rede Globo nos anos 70, sentiu que aquela fama que estava vivendo - desejada por muitos - não o tornaria completo. E, assim, no auge da velocidade dessa roda da fama, pulou fora. Hoje, vive poetisando nas ruas do Rio. Mora na orla, vive o simples, e é onde encontra a propulsão pra sorrir e gargalhar sinceramente. Encontrou o que seu coração tanto desejava: REALização.

O poema abaixo é dele. Uma pista da direção para que lado fugir.



Quando estive em poesia
Visitei um não-lugar
Um sonho, refinaria
De prosaicos, de pesar

O banal é refinado
Em leveza e lucidez
O reverso é revelado
Os clãs encontram as greis

A mágica e a alquimia
São línguas oficiais
Até quem não crê cria
Lá onde o sempre jamais
Cristal vira nuvem e voa
O Sol namora a garoa
E o choro gargalha também

Tudo te diz: imagine
Tudo te pede: me nine
Não se pergunta de quem
Vive-se a vida na flauta
Não se sabe o que é falta
Mas sabe-se o gosto que tem

Eu voltei estupefato
Com olhos de iluminura
Nem precisa de futuro
Quem tem assim o passado.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Encontrar palavras

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Encontrar palavras
é conseguir montar
o quebra-cabeça da alma,
pra olhá-las emolduradas.
São tantas peças...
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domingo, 28 de novembro de 2010

Carta perdida

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Num canto da calçada da R. Hoffmann, sombreada por uma parede velha de retintos descascados, havia uma folha de papel dobrada. Poderia ser mais um papel jogado e esquecido, derretido por chuvas ou varrido pelos garis da cidade, não fosse minha curiosidade, dizem uns feminina. Talvez porque aquela folha estava assim limpinha, dobrada não a esmo, parecia pedinchar por atenção. Vi nas dobras até um beicinho pidão, do tipo "me tira desse descaso".
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Olhei à minha volta, um tanto constrangida por declarar publicamente minha curiosidade pelo suposto lixo desprezado. Não havia ninguém na rua, peguei então a folha. "Rápido!" Caminhei naturalmente, mas fui desdobrando o papel imediatamente, em descompasso com meus passos, agora mais lentos. A letra era linda, ao estilo daqueles comerciais de banco "preenchendo cheque com caneta tinteiro". Por que alguém embeleza assim um papel que seria jogado? Seria um relato desistido de destinatário, esmerado a princípio e, por força de renúncia, abandonado ali no chão? Ainda assim, parecia esperançado de que alguém que jamais seria visto e encontrado pudesse ler seus pensamentos que ali eram divididos com um interlocutor coletivo. Afinal, o papel não estava amassado (daquele amassado proibitivo, cheirando a keep out). Seria, quem sabe, uma carta aberta ao mundo, deixada à sorte e à mercê do tempo, de um talvez, de transeuntes curiosos, da mira certeira de algum cãozinho de pata traseira levantada... ou talvez seria parte de um diário, cuja folha faltante estava justamente ali, como página aberta a um qualquer alterleitor.
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A escritora (sim, é uma escritora, sempre sei quando é) parecia desesperada, tentando um contato com alguém que sequer sabia quem era, falando inutilmente à twitter. Li seu texto, um relato lamurioso e dolorido. Não havia assinatura nem qualquer referência. Por isso não pude sequer dizer que a ouvi e compreendi e que fui tocada por sua história. Ainda que tal texto não tenha sido destinado a mim, a cada linha percorrida eu me identificava mais com a escritora... seríamos todos partilhantes de mesmas dores e sonhos malogrados? Um outro alguém que teria lido esse texto sentiria o mesmo que nós?
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Estaquei no meio do caminho. Não me senti no direito de manter comigo aquela folha. Voltei, então, à Hoffmann e deixei o papel dobrado no mesmo lugar, para um próximo leitor... quem sabe o real destinatário mora por ali mesmo? Não sei, é o que digo, mas sei que se há grandes mensagens que revelam o eu mais profundo, podem ter ido para a lata do lixo ainda nesta manhã de domingo.
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quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Fluid sculpture

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Fluid Sculpture from Charlie Bucket on Vimeo.


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Gostou do vídeo? Que bom, divulgue! Mas agradeço se ajudar a divulgar a fonte, este blog..
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sábado, 9 de outubro de 2010

Tempus

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quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Deo...linda

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O que vou dizer? Que me apaixonei por Deolinda? O grupo é jocoso, colorido, notas humoradas, instrumental perfeito. E amei tanto, tanto, que sinto aquela falta de não tê-los conhecido antes, por imaginar que tantos momentos da minha vida poderiam ter tido Deolinda como trilha sonora. São um representante perfeito da maravilhosa música popular portuguesa.
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Sim, eu me apaixonei. Não é difícil. Vai acontecer com você antes do fim do vídeo. Aqui, na dançante "um contra o outro", Deolinda faz um convite e lança um desafio.
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Conheça também Fado Toninho. Mas não pare aí. Siga a trilha do fado para as outras músicas. Uma mais deolinda que a outra.
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P.S.: Os créditos por eu ter conhecido Deolinda são do João Felipe. Obrigada!
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segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Da parda caixa

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Estive mexendo na minha velha caixa de poemas. Ah, você não sabe sobre minha caixa? É um pequeno baú de lembranças, onde guardo textos meus, de pessoas que me são queridas, assim como de poetas que admiro. Tenho essa caixa desde meus 15 anos. Sim, faz tempo, mas, ao contrário do que se possa imaginar, não tem tanta coisa assim lá, pois desde sempre sou muito seletiva: na minha caixa só entra o que me toca e o que eu amo. Por consequência, quando o-que-de-quem acaba entrando na caixa, pode ter certeza de que o quem-do-que é especial.
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Hoje, ao fuçar-lembrar, acabei me deparando com um textinho meu dos idos anos 80. Findos, mas 80. Era um pedaço rasgado - um rasgado esmerado - de uma folha de caderno já amarelada. E os picotes ainda pendiam lá. O cheiro era de papel guardado, só que de um tipo especial: cheiro de colégio, de pré-adolescência, de anos 80. E lembrei que sentia saudade de caderno de colégio, com aquelas linhas horizontais azul celeste de um paralelismo tão obediente e aquela linha rosada vertical, desenrolada sobre as azuis feito tapete vermelho, anunciando a chegada da irmã-professora, da sineta e do cabeçalho. No centro do pedaço de papel havia uma frase, escrita a caneta esferográfica azul, com manchas de tinta típicas dos canhotos, que, seja pela direção da escrita, seja pelo tipo de tinta, acabam manchando o papel ao esfregarem os dedos sobre as letras recentes.
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Frase curta, nada breve.
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"A vida seria tão mais fácil se a gente pudesse encontrar um ou
dois amigos verdadeiros numa prateleira de supermercado..."

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Incrível é que algumas coisas não mudam. Nem pra mim... nem pra você. Eu ainda uso os dedos de uma só mão para numerar esses raros seres tão procurados. E você?
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segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Das íntimas massas

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Das íntimas massas
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É dessa massa
ser amorfo em dor
espinhos sem mercê
restos invomitados
que moldarei
feito espantalho
a vida que eu
quero pra mim.
Porque não encontro
nem fora nem dentro
alegria nem riso
espantalho nem vida:
só farrapos de arbim.
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10/06/2010
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E este foi o "final", mas prefiro o primeiro.
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É dessa massa
ser amorfo em dor
espinhos sem mercê
restos invomitados
que moldarei
feito espantalho
farrapos de arbim.
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Porque não encontro
nem fora nem dentro
espelho que reflita
esses mistérios de mim.
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10/06/2010 - 27/10/2010
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segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Só vê quem quer

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.Quer achar?
.Quanto quer encontrar?
.O lambirinto avisa na entrada
."E se porventura encontrar o caminho
.(seja a saída ou, ainda melhor, a entrada),
.encontrará fartas e gratas surpresas
."
.Só acha quem quer.
.QUER AINDA?

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.É preciso aprender a tocar.

.Ainda que de longe.

domingo, 8 de agosto de 2010

Morar sozinho

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Moro só há algum tempo. Ainda estou me adaptando e aprendendo a conviver somente com a companhia de me-myself-and-I.
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Viver só tem suas dores e maravilhas. É preciso estar atento a isso, antes de tentar um voo solo, visto que nem tudo são flores na vida a um. O fotógrafo Peter J. Wilson já mencionou algo a respeito disso num texto que acompanha uma foto sua intitulada There's no poetry in being alone: "a solidão pode inspirar poesia. O isolamento pode trazer bons momentos para fazer poesia. Mas não há poesia alguma no sentimento de se estar só". No meu caso, tenho conhecido os dois lados dessa moeda. De um, é ótimo ter a liberdade de fazer o que quero quando e como quiser; organizar e limpar a casa, sabendo que tudo estará do jeito que eu deixei; ter todo o espaço somente para mim; receber colegas e amigos em casa a qualquer hora. Já a outra face é mais obscura: como é difícil o período de adaptação à vida solitária; fazer várias refeições sem companhia; não ter com quem conversar; chegar em casa e saber que não tem ninguém ali esperando por mim.
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Como, então, morar sozinho e muito bem, obrigado? Tenho testado e desenvolvido algumas receitas, que enumero a seguir.
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1. Deixe a TV ou som ligado à medida do possível. Um barulhinho sempre ajuda a espantar aquele silêncio que traz a sensação de solidão. Apesar de gostar do silêncio, uso essa técnica com certa frequência. E funciona.
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2. Se você gosta, mantenha o MSN ligado. Assim, sempre aparece alguém legal com quem você pode conversar um pouco e compartilhar alegrias. Como moro longe da minha cidade (sou do interior do Paraná e moro em Porto Alegre), muitos amigos de longa data moram longe. O MSN acaba sendo a ponte que me une a esses parentes e amigos amados e distantes. E sem qualquer custo de ligação.
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3. Se puder, tenha um animal de estimação ou planta(s) para cuidar. Um animal é uma companhia agradabilíssima: é carinhoso, brincalhão; ele te procura, faz carinho e demonstra o que sente. E não liga se a casa é luxuosa ou simples. É o mais fiel, sincero e desapegado dos amigos. E não receie parecer louco: converse com ele, conte-lhe seus dilemas e sonhos. Assim você dá atenção ao bichinho e também extravasa seus sentimentos. Ter animais ou plantas ajuda a focar em um outro ser que não você mesmo. Eu, por exemplo, tenho plantas ornamentais e um pequeno herbário. Elas sempre respondem ao meu carinho dando folhas viçosas, flores e cor ao meu apartamento.
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4. Procure criar vínculos com as pessoas, não se isole. Morar só não significa permanecer só. Convide pessoas para vir na sua casa, tomar um chimarrão, um cafezinho, um almoço. Saia com elas para um parque, praça ou até mesmo para uma caminhada em dupla, trio. Esse passo possibilita o estreitamento de relacionamentos não-virtuais, principalmente para aqueles que tendem a usar a internet como principal veículo relacional. Interagir ao vivo com outros é também, além de estimulante, uma oportunidade para dar e receber abraço, distribuir afetos que a internet impossibilitaria. Senão você vai ficar falando só com as plantas, que, apesar de boas ouvintes, são um tanto lacônicas e nunca dão bons conselhos.
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5. Crie uma rotina diária. Estabelecer horários para as atividades ajuda a dar a sensação de que sua vida está organizada, controlada, assim como faz você se sentir melhor consigo. Se você tem dificuldade para isso, monte um quadro de horários, distribuindo suas atividades da semana. Mas cuidado: não se esqueça de reservar um tempo satisfatório para descanso e lazer. Assim sua vida será mais colorida, relaxante e realizadora. Ninguém realiza nem produz nada satisfatoriamente se não descansar satisfatoriamente.
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6. Tenha um hobby, entre para uma ONG ou faça parte de um clube. Essa é nova para mim também. Decidi que entrarei para um clube ou confraria. Assim faço algo interessante, faço um bem às pessoas e ao mundo e conheço mais pessoas, estabelecendo novos vínculos. Quando puder, escreverei mais sobre isso.
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7. Procure se alimentar direito. Muita gente que mora sozinha e que não tem grana para comer fora, acaba optando por aqueles congelados assustadores, como lasanhas ou pizzas (cuja "foto meramente ilustrativa" difere totalmente do conteúdo da caixa), além do tradicional macarrão instantâneo. Desnecessário é dizer que tal opção, apesar de justificável pela falta de tempo, não é nada saudável. Acredite: é possível, sim, cozinhar pratos saudáveis, gostosos, rápidos e baratos! E para se sentir estimulado, tenha temperos diferentes e variados à mão. Eles deixam o prato mais saboroso, além de tornarem o ato de cozinhar mais interessante, "alquímico" e carinhoso (sim, cozinhar é se acarinhar!). Eu costumo fazer o seguinte: sempre que preparo um prato, faço-o numa quantidade maior do que o necessário para uma única refeição. Assim, guardo o excedente em potinhos individuais no freezer. Dessa forma, terei sempre refeições variadas prontinhas, sem ir pro fogão todos os dias. Se você não tem freezer, pode usar o congelador (a diferença é que, no congelador, o prato deve ser consumido logo). Esse procedimento economiza tempo, gás, dinheiro, além de evitar muita louça suja: é só esquentar o potinho no microondas! Pra mim, inclusive, virou um hobby gratificante. É tão bom se fazer bem comendo bem!
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8. Crie atitudes de autopreservação. Cuidado com os folhetos do tipo "conserto tudo" que aparecem na sua caixa do correio. Pode ser alguém mal intencionado tentando ter acesso à sua casa. Há relatos (comprovados) de vítimas de falsos encanadores, pintores etc. Prefira profissionais indicados pelo síndico do seu prédio, que já os testou e aprovou. Observe também atitudes suspeitas de estranhos na rua e ao se aproximar (ou sair) de casa. Ouça seus instintos. Melhor achar que exagerou em cuidados do que ser ser vítima de violência. Além disso, tenha o telefone de alguém em quem você confia e que more perto de você para casos de emergência.
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Tenho tentado pôr em prática esses itens. Ajudam, mas não são tudo, porque nada substitui o convívio com outras pessoas. Por isso lembre-se: morar só não implica em ser só.
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quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Arno Rafael

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Nada mais belo que as nuances graduadas entre o preto e o branco,
a sinergia entre músculos e linhas do mundo,
os ângulos imprevisíveis sob o olhar de Arno.
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domingo, 13 de junho de 2010

Gravité & Sonar


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Coletei o comentário da Siane feito sobre os dois vídeos para apresentá-lo aqui no corpo do post, pois diz bem mais do que eu poderia dizer sobre a impressão causada ao assisti-los.

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"É complicado expressar em palavras a minha expressão facial ao ver o "Gravité" (também pelo fato de que eu mesma não vi qual foi tal expressão), mas confesso que fiquei estupefata! - e também que fiquei contando pra ver até quando ficariam atirando a pobre da tv de lá de cima... Quanto ao "Sonar", achei simplesmente fantástica essa união de som e imagem. É, ao mesmo tempo, intrigante e tranquilizante. Ambos os vídeos são geniais."
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sexta-feira, 7 de maio de 2010

Sem palavras

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Digo
gota
...
mas sinto
Oceano
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quinta-feira, 29 de abril de 2010

Solitude

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quarta-feira, 28 de abril de 2010

Mas nada que...

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Se achava que reescrevia
..nova história
Sobre os já idos sedimentos
Vejo revelando
...................a lágrimas
meu próprio palimpsesto.
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Ai, sem formalidade!
Devia mesmo é virar
..a louca cínica
Atirar merda
Botar fogo sair
...................às gargalhadas.
Falta merda e cinismo.
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terça-feira, 23 de março de 2010

Pesadelo

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Sim, tive um! Sonhei que abria um envelope e desdobrava um papel, no qual estava escrito:
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OBJETO DE ESTUDO DA LINGUÍSTICA
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Eu não sabia muito bem o que fazer com aquilo, pois uma frase assim, solta, sem verbo, sem imperativo, sem direção nem pista funde a cabeça duma pessoa. Mesmo em sonho. Comecei a caminhar com aquele papel ainda desdobrado, esvoaçando pra frente e pra trás na minha mão pendente e hesitante. Caminhava tentando encontrar algo à minha volta que correspondesse a esse tal objeto. Afinal, se ele tem correspondente no mundo, eu poderia encontrá-lo em algum momento. O problema é que eu não sabia para que lado ir. Estava anoitecendo, e uma neblina fria e densa como caixa de algodão se formava à minha volta, impedindo a visão. Eu praticamente não enxergava nada diante dos meus olhos. Tentei manter a calma e imaginei que se encontrasse uma placa que me indicasse um caminho, tudo seria mais fácil. Se ao menos houvesse um caminho...
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Tateando nesse nada gotejante, bati a cabeça num poste. Olhei para cima. No alto do poste havia uma placa com uma seta indicativa, na qual estava escrito:
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OBJETO DE ESTUDO DA LINGUÍSTICA
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Parecia piada. Fácil demais. Ali na minha frente, quem diria? Olhei para todos os lados mas não percebia nada. Pois é! Nenhum objeto, nenhum ser, nada nem qualquer coisa, ente ou fenômeno que me indicasse que ali estava o tal objeto. Ainda assim, dei um primeiro passo após a placa. Notei, então, que a neblina se adensava bastante. Recuei. A neblina se dissipou um pouquinho, mas se eu ultrapassasse a placa novamente, a neblina voltava a se adensar, anuviava-se! Voltei a olhar para a placa. Sim, a indicação era de que o objeto estava ali, à minha frente, mas será que estava realmente diante de mim? Meu objeto era uma nuvem no meio da neblina? Um algo-quem indefinido e pouco determinado, do qual não se percebe claramente o começo e o fim, um todo heteróclito (hehe) e multiforme? Complicado. Se ao menos houvesse um mapa...
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Ouvi uns risos abafados. Alguns homens se aproximavam, saindo da nuvem-neblina. Pedi informações sobre o objeto, e eles disseram, apontando para a nuvem:
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"VEJA! NOSSO INTUITO PRINCIPAL FOI FORMAR UM TODO ORGÂNICO!"
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Foram embora sem olhar para trás, mas deixaram cair uma grande folha laranja dobrada. Era um mapa. Percebi, na verdade, que o mapa era de uma localidade conhecida, mas era fruto de uma colagem de partes de mapas de diferentes escalas, formando um verdadeiro chopê-colê, uma espécie de carta geográfica-Frankenstein, e que cada parte correspondia a tipos diferentes de mapa. Assim, rotas rodoviárias acabavam virando rios, por exemplo. Bem, ainda assim era melhor do que nada. Entrei, corajosamente (ui!), na nuvem-neblina, a fim de entender meu objeto. Senti um frio na barriga, uma inquietação, mas segui em frente. Se ao menos soubesse pra que lado ficava a frente...
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Durante minha caminhada em busca do objeto, um grupo de pessoas foi aparecendo em meio à nuvem-neblina à medida que eu caminhava. Vi, então, que discutiam acaloradamente, em volta de um mapa aberto no chão. Era o mapa laranja. Percebi também que cada um tinha, além desse mapa, uma folha dobrada debaixo do braço. E que também parecia ser um mapa, só que um pouco diferente do primeiro em questão. Seria um mapa do mapa? Uma edição crítica do mapa? Sua própria interpretação do mapa? Fiquei curiosa (e confusa!), mas como não conhecia aquela gente, não me aproximei muito. No entanto, procurei ouvir um pouco da discussão, para o caso de obter alguma informação importante que me trouxesse uma luz diretiva. Aquela gente dava a entender que conhecia muito bem a tal nuvem-neblina, já que pareciam estar ali há décadas (eram bem velhinhos) e pelo fato de cada um afirmar qual era a direção correta e a apontar com mais propriedade e aparência de verdade do que os outros. Ironicamente, cada um apontava para um lado diferente, até porque cada um via o mapa de um ângulo diferente. E para piorar, como eu não me aproximei muito deles, não conseguia ouvir direito o que diziam, por isso não os entendia. Eu já começava a ficar nervosa, pois notei que, de tudo o que ouvia e captava, havia muito de complicado, contraditório, oposto e confuso nas tantas afirmações categóricas. Alguns falavam do mapa, outros da nuvem, mas eram unânimes em dizer que conheciam muito bem o autor e que tinham afinal compreendido qual era o caminho que ele indicava no seu mapa, mas que, para surpresa minha, tal autor não o havia desenhado! Intrigante. E eis que a pira começou a se instalar no meu serzinho. Em meio a tudo isso, notei um rapaz sentado numa pedra, com olhar pensativo, vestindo um uniforme escrito safe park. Ele se aproximou de mim e perguntou:
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O QUE O LINGUISTA FAZ?
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Antes de eu responder, surgiu na minha frente um homem com uma capa, cobrindo a cabeça com um capuz negro e opaco. Trazia um remo na mão direita e uma lamparina na mão esquerda. O barqueiro se chamava Valdir e, ao me encontrar, disse que eu havia entrado na nuvem sem ter lhe dado as duas moedas, e que por isso iria arrancar meus miolos e me levar às raias da loucura. Ai! Meu coração batia descompassado! Se ao menos eu acordasse...
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quarta-feira, 10 de março de 2010

Um pouco de botânica familiar...

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Castro é uma cidadezinha muito charmosa. Ao voltar das minhas férias passadas lá, olho para as fotos que tirei e penso nas várias qualidades desse lugar desconhecido por tantos: a arquitetura portuguesa no centro da cidade, as colônias de imigrantes europeus, os tantos museus e casas culturais, as quedas d'água e canyons, assim como a cidade quase sempre encoberta pela neblina, que são só uma amostra do lugar. O que mais interessa em Castro para mim, no entanto, são as raízes. As minhas raízes.
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Dez anos atrás fui embora de Castro deixando muito para trás. Deixei também algo que sempre me traria de volta, que me daria a sensação de pertencimento... as tais raízes, uma destinação natural. É incrível como o tempo e a distância não alteram esse sentimento de ninhada, de balaio-de-gato, e, quando revisito meu próprio interior, identifico que essas raízes espalham-se, espiralam-se e fixam-se em tudo o que sou. Morei em diversos lugares, convivi com muitas pessoas, mas meus sonhos à noite quase sempre são castrenses. É onde me sinto verdadeiramente em casa. Bem, tal sentimento é plenamente justificável: Castro é justamente onde nasci, onde vivi por 26 anos; é onde fica a casa da minha infância, onde vivem as pessoas que amo e que me amam de verdade. O caso é que não importa o quão longe eu esteja longe da minha sementeira, eu de fato nunca vou me esquecer do barulho dos pardais cantando às 6 da manhã na janela do meu quarto, do pão de alho da minha mãe, do olhar sorridente da minha avó, das velhas rusgas com meu irmão, das piadas do meu pai, da risada da minha sobrinha nem dos amigos que estão lá e que também tornaram meus dias em Castro mais felizes.
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No final das contas, são as raízes familiares que me mantêm em pé, são elas que me nutrem e que me dão segurança, e é por elas que volto às minhas origens sempre que posso. É como os castrenses dizem: "quem bebe água do Iapó, sempre volta". E eu acrescento: volta pra casa.
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segunda-feira, 19 de outubro de 2009

RIP

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Sim, é triste
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Enterrar flores.
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Mas é mais triste
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Regá-las mortas.
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quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Ponto pra fuga

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[Porto Alegre, RS - imagem: Edna Regina Hornes]
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segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Continho em Si Maior

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Para Si
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Quando se apaixonava ouvia sons musicais. Róseos acordes bemóis. Mas não se dava conta disso. Quando o conheceu, o mundo ficou então mais colorido e sonoro, só que a vida dela deixou o pianíssimo de lado para alternar-se entre staccatos e quiálteras de um relacionamento um tanto conturbado. Se dependesse dela, tudo pra eles seria permeado pelo alegretto giocoso e romântico, enquanto que para ele a manutenção do namoro estava alicerçada num agregado sonoro bem intervalado e na liberdade do ad libidum dos intérpretes afetados. Aí começou o adágio dissonante e decrescente.
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Tempos depois, após o fim dessa pequena sinfonia a quatro mãos (e sem direito a bis), veio a prova de fogo. A noite era chuvosa. Ela estava entre amigos. Ele também. Encontraram-se por acaso, e, entre sushis e wasabi, o som que ela ouviu foi de desafino. Notas desconfortáveis e polifônicas, sem cadência, ensaio atonal de orquestra crescendo para um fortíssimo pulsante e furioso. Desse jeito, a noite tinha tudo pra terminar num melancólico noturno. Ali mesmo, no entanto, a música foi outra. Tudo porque ela havia resolvido seguir outros sons e experimentar um novo estilo. Partiu pro rock e pros solos de guitarra. Foi quando descobriu que não havia mais bemóis. Tinha se tornado Si Maior.
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E ele ficou lá... babando semicolcheias.
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Conheça uma outra versão desta história clicando aqui.